segunda-feira, 20 de julho de 2009

Artigo: Criar não custa nada , por Rafael Pereira


Chega o briefing e pau na máquina. É hora de botar a cachola pra funcionar. Sofrimento, agonia, pressão e desespero. Tudo num único job pra que façamos um bom trabalho e tenhamos mais um mês de emprego garantido. No meio de tudo isso, brigas mortais, inimizades que durarão a vida inteira, inveja, dúvidas existenciais e auto-avaliações sobre potencial e criatividade. Alguns desistem, partem pra outro ramo onde o coração não seja tão exigido. A empreitada não é fácil, de jeito nenhum. Tem sempre uma criatura adorável que chega nos 45 do segundo tempo e diz que o nosso gol é do outro lado, bem na hora em que a torcida já está de pé, pronta pra gritar gol. È de pensar em suicídio, ou homicídio. Mas a morte não resolve nesses casos, pois o cliente, querido cliente, não aceita desculpas por atrasos ou erros. Se você fingir que morreu, ele te acha no inferno, ou no céu (aposto uma caixa de Kronenbier* que não tem um colega de profissão lá) e te obriga a aumentar o logo, a fonte e trocar a disposição dos elementos. Básico. E, de tão puto e ignorante, nem o tinhoso se intromete, assiste a tudo de camarote bem quietinho. Voltando ao trampo, ao final de cada dia você vai pra casa repensando sua lista negra, trocando a ordem e os requintes de crueldade planejados. O atendimento que estava na ponta da fila, ganha mais alguns dias de vida por ter conseguido esticar o prazo por mais uma semana. Já o mídia, assinou a própria sentença ao dar uma idéia totalmente pobre que, pasmem, o diretor de criação, num momento de total desapego a qualquer princípio criativo, se encantou com a asneira proposta e resolveu começar tudo do zero novamente. Essa vai ser na agulhada, penso na hora. Enfim, depois de tudo pronto, pela décima vez, chega o grande dia. Layout embaixo do braço, a cara e a coragem do atendimento e o semblante abatido de toda a equipe. As horas custam a passar, os ânimos ainda estão exaltados e as relações desgastadas. O clima é tenso e ninguém arrisca um comentário, uma piadinha pra quebrar o gelo. Quando todos estão envolvidos por um marasmo atípico da agência, os mensageiros de guerra retornam ao abrigo. De orelhas em pé, todos olhamos para o atendimento cabisbaixo, tentando nos enganar, como se não soubéssemos da resposta. O olhar do atendimento é uma das coisas mais previsíveis e conclusivas na comunicação. Ele é o reflexo da reunião. Então, é dito em tom baixo e sem vida: “o cliente gostou da idéia, mas disse que só vai mexer com propaganda no ano que vem”. Nem todos os palavrões do mundo podem traduzir o sentimento de cada um na agência neste momento. A lista passa então a ter um único nome, o do cliente. E a nós, só resta lamentar e esperar por um novo job, com um briefing pobre, uma verba anoréxica e muitos passos no escuro.
*Só pra fazer média com a lei seca.

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